Pessoa
Urge um silêncio!
Portugal, cale-se por segundos!
Brasil, por minutos!
Colônias, por horas!
Mundo antigo, por dias!
Mundo novo, cale-se por anos,
pois ainda não sabeis todos vós
que a ele pertencemos todos nós
trágica, bela, lúdica e eternamente.
Tudo não será explicado, sequer esboçado.
As coisas aqui são da natureza de Pessoa,
de verdades absolutamente imaginárias
e de mentiras aterradoramente verdadeiras.
Fernando, que era Pessoa,
acaba de postar-se
no púlpito da memória.
Calemo-nos, não em honra a mortos,
também não a vivos.
Não cabem aqui estes, nem aqueles.
Calemo-nos em respeito
à eternidade daquela voz poética
e logicamente movediça de Pessoa.
Nada há de verdade plausível
neste canto de sonho indizível.
Só a voz, calada e sisuda,
trazendo encantamentos.
Fernando Pessoa chegou,
bengala e chapéu pretos,
paletó e gravata engomados,
espírito em palavras sonhado.
Cabe, então, sublimar um breve e longo silêncio.
Sejamos sábios para ouvir
a leitura da exuberante plenitude
da poética insanidade daquela lucidez.
Ouçamos o canto desmamado
do existir intensamente
em língua lânguida e dormente.
Sejamos humildes nesta vida
para a contemplação do existir
no sustenido na inexistência.
Pessoa, que era Fernando,
disse tão pouco, menos ainda viveu, apesar das cartas.
O tempo encurtou-se,
a lua banhou-se de saudades,
o sol calou-se sem verdades.
E ficou tão pouco
para Fernando.
E tudo ficou tão triste
para Pessoa.
Mas naquela época pós-mares
nossos vasos estavam cheios
de vazios acimentados.
E o que era pouco transbordou.
E de tudo nada mais restou
além de um bigode, um chapéu, uma bengala.
Nas entrelinhas, uma coisa bela
e drasticamente intraduzível.
E Fernando era uma apenas pessoa.
E Pessoa era apenas um só Fernando.
E o mundo nunca soube
como e quando
um raio se desprende
poeticamente
do sol.
Mas, silêncio!
É agora! Ele vai falar!
O desassossego chegou!
Em Pessoa!