Os homens de poesia


Os homens de poesia

nascem como se nasce

dentro de cada dia.

Depois crescem.

Depois escrevem.

Quanta alegria!

Quanta tristeza!

Quanta coisa que morre

nos homens de poesia.


Hoje se olham,

hoje se imaginam

e não se veem.

Hoje cantam,

às vezes em suspiros,

às vezes em sussurros,

ora dando gritos,

ora dando murros.

E se disfarçam

em nada sou,

em tudo quero,

em quase vou,

em eu espero.

E eu não olho, e eu não canto.


E eu não existo

como se existe

em páginas menos aborrecidas.

Deixo que façam de mim

o se faz dos homens

quando não há mais

toda aquela poesia.


E agora não se sabe

o que farão os homens

do amanhã que há

nos homens de poesia.


E agora se olham, e trabalham, os homens.

Ficam ricos e dormem - como dormem os homens!

Nem parece que nasceram

como nascem todo dia

os homens de poesia.


O que fazer, afinal, com essa coisa

chamada poesia?

Até quando veremos nascer

homens que não são homens,

bichos, quase coisas que morrem

em cada página sem nenhuma alegria?

Até quando deixar em aberto

o porquê desse escrever?

Até quando acreditar

nessa eternidade?


Ah ! Benditos homens!

O pouco que os consome

não vem da mesma ausência

que consome os meus dias.

Que tristeza!

Que agonia!

Vejo que estou morrendo

enquanto nascem tantos

homens de poesia.


E não me canso de escrever,

como se, cansado, pudesse

recriar cada inutilidade

que compõe meus dias.


Mas quando preso aos meus

às vezes,

e ao sol de antigas manhãs,

lembro do que escrevi,

vejo que não,

sinto que sei,

pressinto que não me vi

como os homens me veem a mim.

E sou matéria de tão fácil descrição,

de tão lógica e ordenada dedução.

Sou matéria desta poesia,

desta onde já não há,

espalhada em cada página,

o que antes com fulgor havia:

a música, a luz, a mágica,

tudo em excelsa demasia.


Mas tenho dos antigos

apenas essa saudade

tão comum aos meus dias.

Tudo que entre nós há

de verdadeiramente comum

é essa absoluta forma de nascer

todos os dias.

Tudo que aproxima esse tempo

daquele ontem

é o esquecimento intencional

de que há um fim

ao cabo de todas as esperas poéticas.


E os homens há tanto esperam!

E os homens de poesia

há tanto nascem

como se não houvesse esperas

no esquecimento de cada dia.


Ah! Há tanto espero!

Há tanto espero cansar-me

de ver como em cada poesia

morre o poeta de cada dia.