O tempo


Eu só queria caminhar.

E solenemente caminhei

como se não houvesse

pedra ou gente, obstáculo algum de desvio,

de choque, de ruga, de medo.

Sobre ruas caminhei

e então esqueci o que queria.

Esperei casar-me, retroceder, parar.


E então meu coração

retornou aos desertos,

ao vazio, à solidão,

aos rostos e restos

da luz, da ilusão

contida em funestos

dias de escuridão.


Eu só queria caminhar, lembrei.

Andar sobre alguns dias,

embranquecer os cabelos,

enrugar a pele,

cansar o olhar,

desistir do sexo,

chegar-me a Deus.


E então eu esperei

que o tempo,

com luz e força,

envelhecesse meu corpo,

apagasse minha memória

e extinguisse meus desejos.

E então o tempo, o tempo meu amor,

o tempo se esqueceu de mim.

E parou.