Maria, apenas


Meus olhos, mortos.

A poesia, ontem, um pôr do sol.

Agora, meus olhos.

E então a lembrança, a ausência, a frase:

a lembrança na ausência, a ausência na frase.

Em minha cama, a saudade de um corpo, de Maria.

A lembrança, a ausência: Maria.

Os grandes olhos de Maria, fortes, vivos, alegres.

Uma poesia para Maria.

Tudo no fundo.

No fundo, silêncio.

Tudo em silêncio no fundo dos meus olhos.


Tanto de mim em cada poema.

Tanto em cada coisa, para mim, para o mundo, para o mundo sem mim.


E o tempo.

O tempo de todas as estações do amor.

O tempo: apenas lembrança do amanhã, do hoje, do ontem em mim.

Meu tempo agora lembrança.

Meu tempo reminiscência.

Meu tempo: nova dimensão na involução poética dos olhos em mim.


No início, paisagens embaçadas, inofensivas, porém;

com os anos, ausências estéticas em molduras de azul anil;

hoje, com tempos, painéis agressivamente inertes.

Não Maria, não infância, não perfeição.

Apenas as estações, e o tempo, e o amor ausente.


Às vezes, a repetição, a eterna reiteração de todas as lembranças.

Às vezes, nada.

Às vezes, das lembranças e do nada, Maria.

Maria: álibi à má poesia do agora.

Maria: invenção nada poética.

Maria: meu amor.

Maria, meu amor!


Palavras?

Por que não as mais comuns?

Por que não as pobres de espírito?

E a ausência?

E o excesso da ausência?


No íntimo, excesso da grafia e ausência da bio.

Na quase verdade, brincadeira de estranho gosto.

Na verdade, a inexistência da personagem.


Mas, os olhos, os olhos de Maria.

A sonolência dos meus olhos depois de Maria.

E no fundo de mim mesmo, mesmo em Maceió, o infinito.


Alguns dias depois, a volta.

No dia e na hora aleatórios, a retomada da narrativa.

Todas as ações, no dia a dia da escrita, sob causas aparentes.

Além disso, a dúvida, o sentido desta narrativa.


Há alguns anos: Maria.

Felizes? - Nem tanto.

Entre nós, porém, um silêncio.

Entre nós, uma distância.

Entre nós, uma silenciosa distância no hoje.

Entre nós, por nós e para nós, esta narrativa.


Em alguns anos, o passado e o futuro no mesmo olhar.


E a infância de Maria nos meus olhos.

Eu e todas as rugas no rosto de Maria.

Maria: a contradição, o encanto e a força.

Eu: a infância em rugas de Maria.

Infância: eu e Maria por inteira.

Agora, a falsa sonoridade em "Maria por inteira".

Agora, tão tarde.

Agora, meus olhos tão frios.

Agora, minha poesia tão vazia.


E essa coisa incômoda.

E essa luz aqui e ali, em tudo, menos em mim.

E a continuação, a vontade de eternidade.

Eternidade: Maria, para mim e para minhas infâncias.


E agora, o medo.

Agora, meus olhos no corpo de tantos anos.

Agora, a marcha rumo ao envelhecer de lembranças.

Agora, os olhos ao chão.

Agora, o medo.


Agora, o medo do Céu, do rosto daquelas bandas.

E medo da terra, medo do pó.


E, de repente, outra coisa: a mesma coisa noutra forma.

E, de repente, como se, na parede ao fundo, paisagens poéticas à espreita.


Poesia? -Não.

Prosa? -Não.

Prosa poética? Não - não!

Apenas Maria.

Apenas Maria nos meus olhos.

Maria, todas.

Maria em rezas, Maria em camas, Maria morta.