Xadrez de cavalinhos


Deus certa vez cuidou

de querer Ser.

E quando nasci,

levado à tradição,

fui posto nos braços

de negra e boa benzedeira.

E fui molhado e aspergido

para que Deus nunca me abandonasse.

Contam essas histórias

e outras mais de igual feitio.

Dizem que sou distinto filho

e que ele cuida de esperas.

E que longe estou.


E num dia muito comum

desesperei para encontrá-lo.

Tá na igreja, disseram.

Mas lá só tava o padre

e duas beatas enlutadas.

Tá na natureza.

Olhei, olhei e só vi

verde, marrom e azul.

Tá no céu.

Nem nuvem havia.

Por fim, para me aquietarem,

disseram que estava dentro de mim.


E eu conhecia tantas e vastas estradas,

tantas cidades e até mesmo países.

Eu tinha o mapa de tudo,

menos de dentro de mim.

À minha reclamação,

disseram que cada um

forja o próprio caminho interior

para chegar ao Criador.


Eu não sabia onde estavam

o meu Deus e a minha alegria.

E só recantos tristes via

dentro de minha seca alma.

Sabia buscar lembranças

e apagar pesadelos.

Mas não, não sabia

onde ele estava.


E um dia meu filho,

nos oito anos de sabedoria,

perguntou-me se Deus existia.

Lembrei-me da igreja,

da natureza,

do céu e do meu interior.

E do caminho jamais desbravado.

Ele mais um pouco esperou.

Eu pra ele sorri.

Ele um riso ensaiou.

Eu segurei seu rosto pequenininho.

Que tal jogarmos o xadrez de cavalinhos?