Últimos amigos
Quando comecei a trabalhar
senti o cansaço e o suor.
Eram os primeiros dias após a meninice.
Nenhuma mulher para namorar
e nenhum sonho a se realizar.
Eu era um homem, agora.
No quinto emprego, meus sapatos me calejavam.
Eu era um homem batalhador, agora.
No oitavo mês de desemprego,
meu pai me comprava cigarros.
Eu era um homem fudido, agora.
No aniversário de 45 anos,
minha esposa e meus filhos
riram e bateram palmas felizes.
Eu era um homem pai de família agora.
Já na velhice temida,
ganhei doenças e rebeldia.
Gritava com todo mundo,
esbarrando em móveis
e fumando escondido.
Eu era, enfim, um homem, velho, batalhador, fudido e sem família.
Há poucos dias, fiz aniversário
num domingo sem futebol.
Olhei fotos impressas e gastas.
Pareciam felizes todos os outros.
Ainda hoje desconheço
de onde vinha essa alegria.
Ainda escuto vozes
e rostos me perseguem.
Esqueço para viver.
Mas às vezes me esqueço de esquecer.
Ainda bem que lá atrás guardei
aqueles queridos livros antigos,
dos quais certo dia imaginei:
serão esses meus últimos amigos.