Funeral da poesia
E agora está tudo certo.
E acabado.
Decretaram o outrora iminente
óbito da milenar poesia.
Preparemos o funeral,
flores simples, sem pompas, sem melodia.
Aos últimos poetas, nosso agradecimento.
Aos que se iniciam, nosso prosaico lamento.
Daqui a pouco, muito pouco,
nunca mais se falará
que houve um Drummond.
Manoel, que na mata embrenhou-se
há poucos e sibilantes dias,
talvez nem mesmo sobreviva
à próxima década que nos espia.
E nós, os pequenos
e maus poetas do mundo,
podemos agora enfim
o caderno fechar,
a caneta guardar,
o PC desligar
e o fim esperar.
E o mercado poderá
finalmente o mundo agenciar,
sem nada pra incomodar,
sem essa milenar
força de eternizar,
sem essa luz basilar
ao destino de criar.
Esperemos o dia.
Esperemos a noite.
Esperemos o calar
das últimas vozes.
Esperemos a noite triste
ao fim do triste dia.
E não estranharemos
se algum louco e insano
desinformado poeta
gritar reverberante elegia
em pleno velório da poesia.
E não estranharemos
se esse poeta,
tomado de grave espanto,
rasgar seu próprio coração
com a lâmina da canção.
E nada mais nos será estranho.